O desabamento de duas faixas do Eixão Sul que aconteceu em Brasília na última terça-feira, 6 de fevereiro, e a interdição que este evento provocou escancararam o colapso da mobilidade urbana enfrentada pelo Distrito Federal.

O que se viu ao final dos dias após o desabamento, quando a área central de Brasília parou em decorrência do imenso congestionamento que se formou, foi uma incapacidade das pessoas mudarem seus hábitos; das empresas e órgãos públicos se adequarem a uma nova realidade e do Governo de Brasília elaborar um plano de emergência frente a uma situação de crise na estrutura viária da cidade.

Momentos de crise são também momentos de oportunidades. Por que não pensar fora da lógica rodoviarista que domina as sucessivas gestões distritais – que inclusive nos trouxe a este colapso – e testar a implantação de medidas de restrição de automóveis na área central de Brasília?

Ao contrário do que muitos acreditam, mobilidade urbana não se resume a garantir que todos os deslocamentos sejam realizados com um veículo que leva uma pessoa e ocupa dezenas de metros de espaço público (espaço que é de todos e todas) para chegar aonde desejam. Mobilidade urbana é fazer com que as pessoas – sim: eu, você que nos lê, as pessoas que trabalham contigo, as que você gosta e as que você não gosta – possam se deslocar pela cidade da forma mais confortável, segura, agradável e sustentável possível. Sustentável no sentido ambiental, econômico e social.

O uso irracional do automóvel, como é realidade no DF, traz graves prejuízos para a sociedade como um todo. A poluição sonora e do ar, a impermeabilização do solo para construção de mais vias, o congestionamento, o tempo perdido, as mortes e inúmeros outros impactos negativos que o automóvel gera não estão restritos às pessoas que se beneficiam de seu uso. Eles atingem a vida de todas as pessoas, inclusive daquelas que não tem a condição econômica de andar de automóvel, como os passageiros em ônibus lotados que ficam presos no engarrafamento gerado pelos automóveis que transportam apenas uma pessoa.

A crise da mobilidade que foi escancarada demonstra que precisamos repensar, refletir e agir de forma diferente, do contrário, ela somente vai se acentuar. Para fazer isso não é preciso reinventar a roda, basta conhecer as soluções que vêm sendo implantadas em diversas cidades de todos os continentes.

O principal vilão desta crise é o automóvel, logo, o seu uso deve ser racionalizado. Para isso cito duas ações muito simples: 1) fiscalizar os estacionamentos irregulares e 2) estimular uma maior ocupação dos veículos motorizados. Menos locais para estacionar e mais pessoas em cada carro geram menos carros nas ruas, menos poluição, menos necessidade de impermeabilização do solo, menos mortes e vários outros benefícios para a sociedade.

Fiscalizar o estacionamento irregular só precisa de vontade política, afinal as vias do DF são bem sinalizadas, inclusive em relação aos estacionamentos. O valor arrecadado com a cobrança das multas e de estacionamentos pagos pode ser revertido para melhorar o transporte público e até para a manutenção dos viadutos. A área central do DF tem bolsões de estacionamentos que geralmente possuem apenas uma entrada e saída, eles podem facilmente ser destinados apenas aos automóveis com três ou mais passageiros. Imagine como seria o DF com três vezes menos carros circulando nas ruas!

Para o transporte público a solução é tão simples que nem precisa ser importada. Basta fazê-lo funcionar, informar os horários, cumpri-los e baratear a tarifa. Muitos falam que o transporte público de Brasília não funciona. Pergunte para os 700 mil passageiros que o utilizam diariamente para ir ao trabalho: para eles funciona. É claro que poderia ser melhor, muito melhor – como, por exemplo, possibilitar que as pessoas cheguem em outros locais que não o trabalho, acessem cultura e lazer –, mas ele funciona. Não funciona? Andar de carro está funcionando?

As pessoas não precisam sempre de algo motorizado para leva-las de um local ao outro, somos pedestres e temos capacidade de fazer deslocamentos curtos com nossa própria energia. Para alguns trajetos mais longos a bicicleta também é uma ótima solução. Que tal estimular que mais pessoas caminhem e pedalem para ir ao trabalho? Vamos melhorar a relação entre todos nós, respeitar ao próximo, respeitar o pedestre e o ciclista.

No Plano Piloto é fácil caminhar, as distâncias não são grandes e em quase todos os locais existem calçadas. O grande entrave da caminhada é o Eixão, esse mesmo que desabou. Caminhar da L2 até a W3 levaria 15 minutos se fosse possível atravessar o Eixão, porém, como as passarelas subterrâneas não oferecem a segurança necessária e só estão presentes a cada 700 metros, o Eixão se torna um verdadeiro muro que divide o Plano Piloto. Ele é o grande símbolo da cidade que privilegia o automóvel em prejuízo às pessoas.
Mas, infelizmente, o Governo de Brasília não pretende mudar nada.

O plano emergencial que acabou de ser apresentado contempla apenas a construção de novas vias temporárias para facilitar o desvio do trânsito. Nada foi falado sobre a travessia dos pedestres no local, da melhoria do transporte público, do aumento da oferta de bicicletas de aluguel ou outras ações para além dos automóveis.

Com a galeria dos estados interditada, para os pedestres realizarem o deslocamento entre setor bancário sul e setor comercial eles estão obrigados a fazer um caminho cheio de obstáculos: subir pela grama até o Eixão e depois descer, enfrentando uma inclinação muito maior que o determinado pela norma de acessibilidade, enfrentar a lama, a grama escorregadia e os buracos; e driblar toda a movimentação de retirada de árvores da obra emergencial para garantir a fluidez rodoviária. Tudo isso enquanto faz um caminho três vezes maior do que antes. Uma simples intervenção no local poderia construir uma escada, colocar um corrimão e tapar os buracos.

Mais uma vez os pedestres, ciclistas e os usuários do transporte público ficaram à margem da política rodoviarista, que continua desrespeitando até mesmo a Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei federal 12.587/2012, onde uma das diretrizes é “a prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”.

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