Chegamos a mais uma Semana da Mobilidade, evento que teve início em 1997 na França, chegando ao Brasil em 2003 com a adesão de várias cidades. O ponto alto é o Dia Mundial Sem Carro, sempre celebrado no dia 22 de setembro, data que nos convida a refletir sobre qual mobilidade queremos, e o que essa política tem a ver com democracia e direito à cidade. Perguntas que desembocam em outras, como: qual cidade queremos? E direitos para quem?
Algumas dessas perguntas são em parte respondidas pelos Planos Plurianuais (PPA) dos governos, que mostram por meio dessa peça do ciclo orçamentário quais são suas metas e objetivos, visto que é elaborado quando o governante já está empossado e conhecedor da máquina administrativa.
Rodrigo Rollemberg, governador do Distrito Federal, já aprovou seu PPA, para o período entre 2016 e 2019. Nele estão registrados três eixos centrais, a saber: i) Aumentar a qualidade de vida e reduzir a desigualdade; ii) Conquistar a confiança da população no Estado; iii) Tornar Brasília modelo de cidade sustentável.
Está claro, nos eixos 1 e 3, que há uma grande preocupação do atual governo do DF com a qualidade de vida e a sustentabilidade. Entende-se como qualidade de vida o acesso do cidadão a diferentes políticas públicas, equipamentos públicos e trabalho próximos à sua residência, economizando tempo de deslocamento. Uma cidade sustentável preocupa-se em reduzir o número de viagens feitas com veículos individuais, oferecendo mais e melhores possibilidades de utilização de transporte coletivo e público, e veículos não motorizados, bem como boas condições de mobilidade para pedestres, boa qualidade do ar, redução da emissão de CO2 e áreas públicas arborizadas (praças, parques). Todas essas questões essenciais de mobilidade urbana.
Saiba mais sobre o nosso direito à cidade.
Mas como o Governo de Brasília entende a mobilidade? Vejamos como o assunto foi descrito no PPA em vigor:
“A política de mobilidade urbana, que deve zelar pela qualidade de vida da população, precisa ser norteada pela implementação de um conjunto de estratégias de transporte e de circulação que proporcione o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, reduzindo, na medida do possível, o número de viagens motorizadas, priorizando os modos coletivos de transporte – sobre pneus ou sobre trilhos -, e incentivando o uso do modo não motorizado. No intuito de tornar Brasília um modelo de cidade sustentável, é fundamental que as políticas de mobilidade tenham foco na equidade do uso do espaço público, ofereçam maior segurança nos deslocamentos, prestem melhores serviços de transporte coletivo com tarifa justa e ofereçam condições dignas de deslocamentos a pé ou por bicicleta.”
Irretocável. Sim, queremos acesso amplo e democrático ao espaço público, redução de viagens motorizadas, priorização dos modos coletivos de transporte, equidade no uso do espaço público. Mas queremos algo mais: que as palavras se manifestem em ações e prioridades no orçamento e nas políticas públicas.
O PPA já está em vigor, mas a execução da Lei Orçamentária Anual de 2016 é contraditória com os próprios princípios apresentados pelo governo. Por exemplo, recursos que poderiam melhorar a qualidade de vida e trazer mais segurança, como a ampliação e melhoria da iluminação pública nas diferentes regiões administrativas, praticamente não foram gastos até agora. E são importantes principalmente para as mulheres, que correm riscos ao circularem entre as paradas de ônibus e suas residência no período da noite.
Investimentos em passarelas para pedestres, abrigos para passageiros de ônibus, calçadas e acessibilidade também não foram feitos, bem como para melhoria e ampliação das ciclovias – especialmente a que liga o aterro do Jóquei à Cidade Estrutural, uma obra importante para os moradores daquela região, devido ao intenso tráfego de caminhões no local, que oferece alto risco para pedestres e ciclistas que por ali circulam. Mas tudo isso não estava indicado como prioridade no PPA do governo Rollemberg?
Na Semana da Mobilidade 2016 surgem propostas e propagandas governamentais sobre a política implementada – ou que será implementada. Como a questão da acessibilidade. Mas, quando olhamos para o orçamento do Distrito Federal, percebemos que as ações propostas para a melhoria de calçadas e acessibilidade na cidade estão praticamente todas apenas no papel. A exceção fica por conta da Asa Sul do Plano Piloto. No entanto, para o o Pôr do Sol, em Ceilândia, o recurso sequer foi empenhado.
Prioridade não é o que está apenas no papel, mas o que sai dele na prática. Por isso, podemos dizer que as verdadeiras prioridades do governo atual são bem outras: três grandes obras milionárias, que dão prioridade ao transporte motorizado individual (carros) e, de quebra, ainda causam grandes estragos ambientais. Os três projetos – Trevo de Triagem Norte, Via Transbrasília e Túnel em Taguatinga – estão tanto no PPA como na Lei Orçamentária Anual 2016, têm recursos garantidos e estão adiantados. Só ‘esqueceram’ de consultar a população para saber se essas eram prioridades dela também…
Não é ocioso lembrar que o então candidato Rodrigo Rollemberg assumiu vários compromissos com os movimentos sociais em diversas áreas, em especial com a mobilidade urbana:
“Inverter a atual prioridade dada nos meios de locomoção, estabelecendo metas de redução do percentual das viagens diárias feitas de carro ou moto, assegurando a fluidez preferencial para os pedestres, o transporte coletivo, e por bicicleta, reduzindo os espaços destinados ao uso individual do carro, vetando iniciativas como o projeto do estacionamento subterrâneo da Esplanada dos Ministérios. Tais medidas contribuem também para a redução da emissão de poluentes atmosféricos, que prejudicam a qualidade do ar, bem como gases de efeitos estufa.”
“Desonerar gradativamente o usuário do transporte público coletivo do custeio do sistema de transporte, por meio da integração universal e irrestrita com financiamento não-tarifário do sistema, visando a futura implementação da tarifa zero.”
Até o momento, nenhum sinal de que o governo Rollemberg está indo nessa direção. Pelo contrário. Então, as perguntas voltam: Qual cidade queremos? Direitos para quem? Com a palavra os governantes e parcela da população da cidade que pensa primeiro em resolver o seu próprio problema, que são contrários aos corredores exclusivos para ônibus, que querem mais viadutos, avenidas e vias expressas – os pedestres e ciclistas que se virem, e de preferência saiam da frente. A cidade é de quem anda de carro, pensam. Mas deveria?
Artigo originalmente publicado no site Metrópoles.
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