Incursão etnográfica: Dyaley Viana, Leila Saraiva, Lucas Miguel e Thainá Caminho
Análise e escrita: Dyarley Viana, Leila Saraiva Lucas Miguel

O fechamento do lixão da Estrutural, até há pouco o maior da América Latina, é um processo cheio de meandros, sobre os quais não discorreremos aqui. Foi já depois deste evento que caminhamos, três moradores/as da cidade Estrutural e uma de fora, pelos arredores do lixão. Nossa ideia era principalmente recuperar algumas histórias e percepções daquele lugar fundante da Estrutural, já que foi a partir dele que a cidade nasceu.

Começamos nossa incursão ali por perto, seguindo até a entrada do Lixão. Não nos foi permitido ultrapassar a cancela. Procuramos, então, por um antigo trabalhador dali, para termos ao menos uma conversa. Em tempos de catação, era conhecido ironicamente como Guia Turístico do Lixão. Foram muitos os grupos que procuravam o lixão para conhecer o local – grupos de pesquisa da universidade, por exemplo. Também foram muitas as experiências negativas de moradores da cidade com essas excursões. “A professora orientava as pessoas a se vestirem simples, não irem de calça jeans, para que os/as moradores/as da Estrutural não ficassem ofendidos”, compartilha um dos etnógrafos, morador da cidade e estudante da UnB – e aqui, como não lembrar do que ouvimos nos bazares, sobre a boa qualidade das roupas vendidas? Os colegas do Plano Piloto demonstravam medo de chegar até a Estrutural, assim como o Uber que levou a única etnógrafa que não mora na cidade até ali naquele dia. Eram 10 horas da manhã.

Pois era com o guia turístico que tentávamos falar, até porque ele tinha o hábito de florear, mistificar as histórias do lugar. As possíveis experiências de sucesso, luta, comunidade não eram as que interessavam para os visitantes, mas a brutalidade do dia a dia do trabalho, a miséria, o sofrimento. A conversa não rendeu muito. Seguimos nosso rumo.

Passamos pelo “poeirão” (campo de futebol, ali bem próximo). Naquele campo de terra, homens costumam jogam futebol e fazer campeonatos. Já lá no “Mapa do Brincar” de 2017[1], as crianças lembraram desse campão, chamando atenção para o fato das mulheres não brincarem na cidade, enquanto os homens continuam brincando mesmo depois de adultos.

As políticas públicas de incentivo à cultura na cidade Estrutural são parcas. Peguemos como exemplo os números do Fundo de Apoio à Cultura: em 2014, foram investidos mais de 31 milhões de reais em projetos no Plano Piloto. Na Estrutural, o investimento cai para pouco mais de R$3 mi, 10% do valor investido no centro de Brasília. Além disso, a cidade não conta com espaços culturais como Museus e Teatros oferecidos pelo próprio Estado, enquanto no Plano Piloto 31% dos domícilios estão localizados próximos a espaços culturais. Seus moradores/as investem em iniciativas independentes para dar conta dessa ausência, criando espaços como o Ponto de Memória, ou o grupo de teatro das Bisquetes. E fazem dos campos de terra lugares de convívio.

Logo encontramos uma senhora, que ali queimava fios para retirar cobre, uma fumaça densa saía da fogueira, esbranquiçada. Chama atenção essa prática nessa época do ano, pois o cobre é uma espécie de décimo terceiro. Os catadores e catadoras costumavam optar por acumular cobre ao longo dos meses para vende-lo na época das festas. Apesar de não ser de fácil acesso, é um dos artigos de reciclagem mais lucrativos: enquanto o quilo de papelão é vendido a 20 centavos, o de cobre é vendido a R$15 reais.

Grandes bolsas de plástico começam a se espalhar pela cidade, agora com a catação feita no território da Estrutural. Uma novidade. São alternativas de trabalho para os/as catadores/as que não foram realocados para os galpões de triagem. O lixão recebia trabalhadores/as com práticas muito distintas: catadores/as nas cooperativas, catadores/as eventuais… Com esse surgimento da catação de rua, aos poucos a paisagem da cidade está ganhado novas roupagens que, em sua singularidade, retratam a criatividade e força dos moradores em driblar a falta de renda. Nasce uma nova cultura, novas práticas, para as quais precisamos ter muita atenção, já que não temos a cidade mais limpa e nem saneamento básico eficiente. Os 5 galpões de triagem propostos pelo GDF para serem o novo local de trabalho dos/as catadores/as jamais vão comportar todos os catadores e catadoras: logo mais bags hão de florescer naquelas ruas.

[1]   O “Mapa do Brincar” é um mapa construído junto com crianças da Estrutural e parte das produções do projeto Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), desenvolvido pelo Inesc e o Nossa Brasília junto ao Coletivo da Cidade. As crianças construíram uma etnografia sobre seus brincares na cidade Estrutural, mapeando os parques, lugares que frequentavam, onde se sentiam seguras, etc.

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