Por Cleo Manhas*

O coronavírus tem sido chamado de vírus da desigualdade. A falta de saneamento básico e de condições de habitabilidade (ventilação, ausência de umidade, desempenhos térmico, acústico e de luminosidade, saúde, higiene e qualidade do ar) faz das populações periféricas, de baixa renda, as mais vulneráveis às formas agressivas da doença Covid-19.

No Distrito Federal é preciso falar da Estrutural, com 45 mil habitantes, uma das regiões com mais problemas para o enfrentamento da pandemia. As principais políticas, ou ausência delas, que ficam evidenciadas em tempos de calamidade de pública, são saneamento básico e moradia. De acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2018, esta região administrativa apresenta quadro alarmante. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) realiza coleta de esgoto em apenas 62,9% das residências e algumas, não atendidas pela rede pública de saneamento, possuem fossas. No entanto, 19% das casas sequer têm fossa, descartando o esgoto a céu aberto.


Cidade Estrutural/crédito: Arthur Menescal

Com relação ao lixo, há locais sem coleta, então 11,9 % da população queimam ou enterram seus resíduos e 21% jogam em local impróprio. Então, esgoto a céu aberto junto com lixo exposto. Para se ter ideia da desigualdade, no Plano Piloto, 99,8% das residências são atendidas com rede de esgoto e 98,9% com coleta de lixo.


Cidade Estrutural/crédito: Arthur Menescal

Com relação ao fornecimento de água, em fevereiro, ou seja, já com ameaça da pandemia, a Caesb estava cortando água da Estrutural dizendo que era motivado pelo uso indevido dos moradores da Santa Luzia, bairro que faz parte da região administrativa, que captavam irregularmente. Contudo, lá também não havia água. E hoje, o que há para os 12 mil moradores de Santa Luzia é um chafariz que nem sempre funciona. Como comparação, no Plano Piloto há cobertura de rede de água para 99,8% das residências.

Há grande adensamento tanto da cidade, quanto das habitações. São 10.081 casas, muito próximas umas das outras, com muitos moradores, uma média de 3,6 moradores por residência, e várias em situação de precariedade, especialmente na Santa Luzia. 14% são casas de madeirite e outras 4,5% de materiais reaproveitados, que juntas somam 1.865 casas, das quais, em 5,4% o piso é de terra batida. 28,8% são cobertas com fibrocimento, sem laje. Como se pode constatar, as condições de habitabilidade citadas no início não existem por aqui.

Como forma de evitar contágio pelo coronavirus, hábitos tais como lavar as mãos com frequência, manter os espaços arejados, manter distância entre as pessoas, fazer higienização das roupas e alimentos, para a população da Estrutural e Santa Luzia são medidas distantes das suas realidades, devido a situação em que vivem.

A política de saúde é outro ponto importante, pois, enquanto a maioria dos equipamentos públicos de saúde está localizada no Plano Piloto, também nesta região reside a população que, em sua maioria, 81,5% tem plano de saúde, ou seja, acesso à rede privada. Na Estrutural, a rede se resume a um posto de saúde subdimensionado para a população local e 93,1% dos moradores não possuem plano de saúde, conforme já constatado no Mapa das Desigualdades do Distrito Federal, elaborado pelo Movimento Nossa Brasília.

Ainda há a questão dos deslocamentos em tempos de pandemia. Como a maioria da população economicamente ativa da Estrutural trabalha em outras regiões, precisa se deslocar, especialmente por transporte público, não tendo condições de fazer teletrabalho, como os moradores do Plano Piloto, que além de mais e melhor acesso à internet, possuem trabalhos que os permitem realizá-los de suas casas. Para se ter ideia do que significa isso, na Estrutural 99,9% da população não terceiriza os serviços domésticos contratando mensalistas ou diaristas, enquanto que no Plano Piloto, 57,2% se utilizam desses serviços. E as pessoas que os realizam veem de outras regiões, até mesmo da Estrutural.

Relevante, também, é o acesso precário da população da Estrutural e Santa Luzia à internet. A maior parte dos moradores acessam sites e aplicativos pelos celulares. E apenas 20% possui celular pós pago, então, 80% utiliza créditos e, portanto, muita limitação. Fica complicado, até mesmo, se cadastrarem no aplicativo que os levará ao recebimento da renda básica de emergência, para a qual, a quase totalidade dos moradores locais teria direito, visto que a renda familiar em média é de R$ 1.257,00, menos da metade que o exigido, que é até três salários mínimos mensais, ou R$ 3.135,00. Para se comparar, no Plano Piloto, a renda média familiar é de R$ 15.056,90.

Note-se o que dizem os dados que compõem o mosaico das regiões do Distrito Federal. Sendo a Estrutural a região mais negra desse território, conforme destacado no já citado Mapa das Desigualdades, não é ocioso lembrar que aqueles que executam as políticas públicas não priorizam quem deveria ser priorizado. Isso porque nosso Estado é racista e suas estruturas reforçam cotidianamente o racismo institucional, perpetuando as enormes distancias que nos separam e ficam ainda mais ressaltadas em tempos de pandemia.

Acesse o aqui Mapa das Desigualdades e conheça a situação do Distrito Federal

*Cleo Manhas é assessora política do Inesc e integrante do Movimento Nossa Brasília
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