Por Dyarley Viana

Por trás da arma, racismo ambiental!

Por trás da arma, Lei Áurea é vazia e morta. Quem puxou o gatilho disparava contra a personificação da luta negra por igualdade e inclusão. Quem puxou o gatilho disparava alvejava o útero desse país e os ombros que sustentam sua economia. As balas escolhidas cumpriam a missão de afirmar: negras não são bem-vindas na política. Afirmaram que cidades, direito à cidade e a luta por ele não pode ser protagonizada por elas: Mulheres Negras!

Março de 2018, mês das mulheres. Que mulheres?

Ecoou um disparo de uma pistola 9mm no centro do Rio de Janeiro, cidade maravilhosa por acreditar, querer, lutar para que as “maravilhas” da cidade se estendessem às periferias; por incidir por direitos em territórios subjugados; por denunciar a lógica racista, a regência escravocrata do estado e a lente discriminatória da justiça em terras brasileiras que opta por intervir de forma opressora, tendo por instrumento a tortura e morte aos filhos dos antes sequestrados e escravizados, libertos?

Libertos como e onde? No genocídio da juventude negra, no feminicídio das mulheres negras em ascensão, na morte política dos corpos negros que rompem e ocupam espaços de poder no cenário político atual do Brasil. Cento e trinta anos depois de uma princesa usar suas mãos para assinar a Lei Áurea, testemunhamos a assinatura feita por quatro balas na coroa de uma rainha do gueto, filha da Maré.

Brasil, 2018, ano de eleições, morta a quinta vereadora mais votada do estado do Rio de Janeiro, 46.502 votos. Apesar de seu curto tempo de mandato, longa foi sua luta e resistência pela população negra periférica, pelas mulheres negras, pela visibilidade lésbica, pelo acesso à educação e saúde de qualidade.

Um turbante na Câmara Legislativa cobria uma mente negra ciente de sua ancestralidade e consciente de seus direitos em embates diários para que esses mesmos direitos chegassem nos seus. Um turbante, trajes com informação de África, na cidade do Rio, denunciando o mar de violência institucional que banha a periferia da cidade de Deus. Se uma mulher na política incomoda muita gente, uma mulher preta e periférica incomoda muito mais.

Onde mora a responsabilidade sobre isso? Mora nas ações, na pouca ou nenhuma disposição da sociedade brasileira em efetivar justiça social, combater as desigualdades sociais e em abdicar de seus privilégios.

A arma que efetuou o disparo começa a ganhar forma no descumprimento da lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas. Esta mesma arma recebe sua placa de punho nos constantes ataques racistas a pessoas negras, sua alça de mira é consolidada nas posturas machistas disseminadas nas redes sociais, nas relações e no tratamento oferecido às mulheres, nas crenças dos lugares tradicionais para elas, sobretudo paras as mulheres negras. Portanto, ela segue sendo construída e sua armação mantém a pirâmide social: negras na base, as mãos do machismo e da branquitude firmes no gatilho, mirando qualquer negra que se mova desse lugar. O cano é branco, é macho e aponta para pretas!

Nas intenções de votos o país absurdamente legitima sujeitos que defendem o porte de arma e intervenção militar, na esperança equivocada de um país seguro, sob um falso véu de segurança nas cidades. Marielle lutava e construía a real segurança, construía em verdade uma cidade acolhedora e foi isso que a colocou na mira. Foi alvejada pelo nítido desconhecimento sobre direitos humanos, pelo discurso vazio e dominante de direito à cidade.

A população negra sabe que as cidades se embriagam de melanina. Entre esquerda e direita o direito à vida deve ser prioridade. Vidas negras importam. E importam tanto que muitas Marielles deram sua próprias vidas em defesa disso. Ao país, às cidades brasileiras fica o registro: o alvo não foi Marielle e sim sua luta. Essa morte é política!

Sobre a política, estamos em ano de eleições, portanto consideremos o direito à cidade sem distinção de cor, credo ou CEP. Do contrário, ao teclarmos nossos votos, nossas digitais seguem na arma do racismo ambiental.

Marielle Franco foi luta. As periferias em luto seguem na resistência, o luto não silencia! Marielle presente em cada vida preta, periférica!

 

*Lei10.639/03: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm

*Sobre racismo ambiental: https://racismoambiental.net.br/textos-e-artigos/racismo-ambiental-expropriacao-do-territorio-e-negacao-da-cidadania-2/

 

 

 

 

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